o preconceito lingüístico. Basta acompanhar, por exemplo, as inúmeras preleções
de cunho normativista (observadas em diversos âmbitos) centradas no que é
"certo" e "errado" na língua e a conseqüente avaliação social que atribui
prestígio ou estigma às diferentes falas, ou as discussões travadas em torno da
linguagem politicamente correta, para se constatar o caráter polêmico do tema.
Por outro lado, a atualidade do assunto é visível na recorrência com que tem
sido abordado sob diferentes ângulos, conforme atestam algumas publicações, como
a de Bagno (1999), o documento sobre Definição da Política Lingüística no
Brasil resultante de ampla discussão entre os lingüistas e publicado no
Boletim da ABRALIN, 23 (1999); o Boletim da ALAB 4-4 (2000)
sobre o Projeto de Lei contra os Estrangeirismos, bem como matérias
em jornais a exemplo de Faraco (2001) na Folha de S.Paulo, entre
outras.
Objetivando estender o debate a um público mais
amplo, numa linguagem acessível e "sem o peso da argumentação acadêmica", como
bem apontam os organizadores na introdução do livro, O direito à fala
surge oportunamente num momento em que se testemunha o sucesso de "novos
gramáticos mediatizados" e em que ganha "nova relevância o poder simbólico da
linguagem" (p.10). Contendo dez trabalhos que refletem com seriedade diferentes
leituras do preconceito lingüístico, a obra se propõe intervencionista, colocando, de maneira instigante, resultados da
pesquisa em diversas áreas da linguagem a serviço do direito à expressão, com
respeito às falas que os grupos construíram ao longo da história. Os
organizadores apresentam, com elegância, o conjunto dos artigos, tecendo a trama
que interliga os diferentes textos, recobertos por uma mesma temática que pode
ser resumida como: crítica à idéia de unidade nacional alicerçada numa língua
idealizada pura e única.
No artigo de abertura, intitulado A prosa de Lima
Barreto: o que quer essa língua?, Cláudio Cruz, num estilo leve e despojado,
refere-se aos, assim chamados por ele, "três moleques do Segundo Reinado" –
Machado de Assis, Cruz e Sousa e Lima Barreto (p.20), reunidos pela
característica comum de, negros, terem sido apadrinhados por famílias nobres e,
conseqüentemente, terem tido acesso a uma formação superior. Não obstante esse
traço de aproximação, o autor opõe Lima Barreto aos demais escritores, em razão
do uso peculiar que aquele faz da língua portuguesa, considerado à época como
incorreto, e só mais tarde visto como inserido, com estilo, no contexto
cultural, por buscar falar a língua do povo e não retratar a linguagem dominante
do período. Esse fato particulariza a obra do romancista, caracterizando-a como
de "militância literária" lingüística, daí sua importância no que se refere à
questão do preconceito lingüístico. Cruz convoca o leitor a, sem demora,
procurar entender a questão da língua na obra do autor de Recordações do
escrivão Isaías Caminha e de Triste Fim de Policarpo Quaresma (cujo
conjunto parece trazer "uma espécie de bomba-relógio que só agora começa a ser
detonada"), especialmente nesse momento em que, conforme vislumbra o ensaista,
presenciamos o início da implosão da idéia de um espaço literário nacional e
único, quando outras línguas buscam expressão dentro da língua oficial, quando
"a ilusão de uma nação coesa e unificada deixa de existir" (p.20).
Para escrever o segundo artigo, Os Aldrovandos
Cantagalos e o preconceito lingüístico, José Luiz Fiorin se inspira em um
personagem de Monteiro Lobato do conto O colocador de pronomes, o qual,
vivendo em busca de erros gramaticais, deixa de perceber as belezas da
linguagem. A língua como resultado de um processo histórico é o pano de fundo
para a caracterização do preconceito lingüístico como fruto da "intolerância em
relação à variação e à mudança" (p.27), preconceito que a própria escola e os
gramáticos tratam de difundir. O autor focaliza fatos da mídia em que a
diversidade lingüística é ridicularizada e, com bastante pertinência, examina
trechos de uma entrevista de Pasquale Cipro Neto dada à
revista VEJA (setembro de 1997), nos quais o professor de gramática corrobora
muitos preconceitos lingüísticos partindo da concepção equivocada de que a
língua é homogênea e estática. Aproveitando "deixas" de Pasquale na matéria, o
autor discorre sobre diferenças entre a fala e a escrita e entre o português
brasileiro e o europeu, e discute comentários equivocados como os seguintes: do
ponto de vista da norma culta, a melhor fala é a do Rio de Janeiro e a pior é a
de São Paulo; é idiota quem usa palavras em inglês no lugar de palavras
equivalentes em português; em termos lingüísticos "estamos nivelados por baixo"
(p.34); e a "pérola" final: o comentário do referido professor, por ocasião de
um conhecido comercial da cadeia McDonalds, de que não teria feito publicidade
dos lanches mas sim divulgado a língua portuguesa... Por fim, considerando
amplamente a diversidade lingüística, desqualifica com veemência a opinião dos
guardiões da língua, de que "os lingüistas estão destruindo o idioma, porque
para eles vale tudo" (p.35).
Tratando, na seqüência, de Estrangeirismos:
empréstimo ou ameaça?, Pedro Garcez e Ana Zilles atribuem ao empréstimo,
tido como fenômeno constante no contato entre comunidades lingüísticas, marca de
identidade alienígena com valores simbólicos por vezes conflitantes. Os autores
organizam didaticamente o texto em torno das seguintes seções: Legitimidade e
pureza; Anglicismos: A força do desejo; Diligências legislativas; Preconceito e
exclusão; Diversidade invisível e vida social da linguagem. De início, a partir
do exame de uma série de palavras e expressões, demonstram não ser tarefa
simples identificar o que seria português puro e como algo deixa de ser um
estrangeirismo e se incorpora à língua da comunidade. A seguir, os autores
argumentam que a aversão ao estrangeirismo é devida, especialmente, à presença
da indústria simbólica norte-americana, portanto os empréstimos não seriam, na
realidade, necessários, mas desejados face aos apelos da máquina capitalista
globalizante. Na seção seguinte, trazem à tona a posição ideológica que sustenta
os projetos de lei contra os estrangeirismos, destacando, com propriedade, o
fato de que se apagam as diferenças internas aos grupos quando um elemento
externo paira como ameaça comum, o que acaba por legitimar a concepção de que "a
língua da nação se restringe à língua do poder, à norma escrita, socialmente
controlável, cujos limites são definidos pelas classes dominantes" (p.46). Ao
abordarem a questão do preconceito e da exclusão, os autores dão visibilidade a
uma série de equívocos, dentre os quais destaco: o de que a escrita é a essência
da linguagem; o que ignora a diversidade lingüística e os processos de variação
e mudança; e o que prevê a existência de uma língua pura. Por fim, Garcez e
Zilles tratam de questões como a atitude frente à língua de poder e a competição
pelo acesso aos bens sociais, concluindo que a "chave invisível, mas legitimada,
das práticas excludentes" é a ideologia lingüística de que somos um país
monolíngüe (p.51).
A denúncia do papel da mídia na formação e na
divulgação de preconceitos lingüísticos, mediante análise de cenas da novela
Escrava Isaura (Rede Globo, 1976), baseada no romance de Bernardo
Guimarães, e do filme americano No coração de Clara – ambos tratando de
questões raciais, é a tônica do texto de Fábio Lopes da Silva: Dois casos de
preconceito lingüístico na mídia. Em ambos os casos, o pretenso anti-racismo
retratado pelo o quê se esvazia no como é lingüisticamente
expresso. Na novela, o autor centra a atenção na forma como os personagens da
Casa Grande se expressam, isto é, no tipo de construções gramaticais eleitas
para representar a fala dos brancos (incluindo entre esses a escrava 'mocinha'
Isaura) – emoldurada por "todos os ss e rr da norma gramatical", e a fala dos
demais escravos – estilo "Tio Barnabé" (p.55); e destaca, como efeito induzido,
a reprodução do mito de uma língua perfeita e intocada, tomado como realidade
histórica, o que, segundo uma avaliação perspicaz do autor, leva as novelas de
época a provocarem um prejuízo cultural. O autor projeta uma associação bastante
interessante entre a chamada corrupção da língua e "uma espécie de vírus
lingüístico que, na época da escravidão, permanecia confinado e controlado..."
(p.57). No filme, é recortada uma cena em que o garoto branco, dignificando a
língua materna da governanta negra, dirige-se a ela em patuá jamaicano,
legendado em português como "num vô fazê isso", episódio que reproduz um
preconceito generalizado: o de que construções como essa se restringem a
determinada camada sócio-demográfica, donde o autor conclui que "atribuímos a
nós mesmos uma língua perfeitamente imaginária" (p.61).
No quinto artigo da coletânea, Edwiges Morato aborda
As afasias entre o normal e o patológico: da questão (neuro)lingüística à
questão social, distribuindo o tema em quatro seções: As afasias entre o
normal e o patológico; O processo de patologização da linguagem e dos falantes;
A origem das "significações intoleráveis"; e O afásico entre o preconceito
lingüístico-cognitivo e a negligência social. Na primeira seção, a autora
tematiza o preconceito contra os que apresentam alterações em suas diferentes
formas de uso da linguagem em decorrência de lesão cerebral adquirida,
enfatizando que a afasia não é apenas uma questão de saúde, ou uma
questão lingüística, ou cognitiva, mas é também uma questão social; nesse
sentido, considera que os limites entre a normalidade e a patologia estão
vinculados à "vontade de verdade" (Foucault, 1977) de uma época, ou seja, à
mentalidade e ao discurso científico vigente em uma certa sociedade. Em seguida,
discorre sobre o processo de patologização, argumentando que existe um
continuum sem fronteiras rígidas entre o normal e o patológico e que as
doenças devem ser entendidas como a perturbação de um equilíbrio. A autora
critica condutas médico-terapêuticas que se voltam para a "superação" do
distúrbio de linguagem tido como um déficit (em decorrência de uma visão
idealizada de linguagem como poder racionalizante da mente), ponderando que o
afásico, mesmo perdendo a palavra, "não perde necessariamente sua capacidade
discursiva" (p.70). Na seção seguinte, a autora comenta que, numa concepção
normativa de cognição e de linguagem, fatos como digressões, lapsos, hesitações,
etc. são caracterizados como "significações intoleráveis" e tidos como
"sintomas" em quadros de afasia, muitos deles assim rotulados por razões
ideológicas e não por razões lingüísticas ou cognitivas. O que explica o
surgimento das "significações intoleráveis" é a noção de linguagem como
instrumento de acesso aos processos cognitivos internos, cuja função primordial
é a comunicação à qual seríamos levados por um princípio natural de cooperação.
Encerrando o texto, Morato apresenta uma ação exemplar contra o estigma e a
exclusão social impostos ao afásico: a criação do Centro de Convivência de
Afásicos (IEL/Unicamp), lugar onde se desmedicaliza a afasia e se enxerga "o
páthos como constitutivo do normal" (p.74).
O artigo seguinte, A língua popular tem razões que
os gramáticos desconhecem, é assinado por Heronides Moura. O autor inicia o
texto questionando os motivos que levam à escolha da norma culta como a
representativa e "correta" da língua, e aponta, como uma das razões pelo
preconceito contra a fala das classes populares, a dicotomia arraigada em nossa
cultura, decorrente da correlação entre pensamento e linguagem, que opõe a
"racionalidade da classe educada" à "espontaneidade pré-racional do povo"
(p.76): a língua popular seria criativa, espontânea mas às vezes ilógica; a
língua culta seria a melhor expressão da racionalidade e da cultura – oposição
que reflete a "normatização social promovida pelo Estado brasileiro" (p.77).
Moura ilustra muito bem sua linha de raciocínio com uma análise criteriosa de
formas de representar a comparação em português, contrapondo ao padrão normativo
'tão/tanto... quanto' e '...como', as expressões'que nem' e 'que só', tidas como
de uso popular e possivelmente condenadas pelos normativistas pelo aparente
ilogicismo presente nelas. A partir de um princípio básico da interpretação
segundo o qual os interlocutores levam em conta não só o sentido inicial das
expressões mas também a intenção do falante, o autor demonstra que a forma 'que
nem' ('o aluno é esperto que nem o professor') simultaneamente compara e formula
um julgamento sobre o termo comparado. A construção seria barrada como
contradição lógica se analisada apenas quanto ao sentido inicial; mas esse uso
deve ser interpretado como hiperbólico, cumprindo a função comunicativa de
enfatizar que o julgamento recai sobre o termo comparado e não sobre o
comparante. Já a expressão 'que só' ('o aluno é feio que só o professor')
ressalta não só o julgamento feito sobre o termo comparado, mas também o caráter
prototípico do termo com o qual se compara (no caso, o professor seria tido como
um exemplo de feiúra, propriedade que é projetada sobre o aluno). Por fim, na
construção elíptica ('o aluno é feio que só'), a elipse do termo comparante é
inicialmente interpretada como de um protótipo, mas a construção acaba se
congelando e funcionando como um advérbio que intensifica a propriedade
comparada (= muito feio). O autor demonstra, assim, o perfeito funcionamento
comunicativo dessas construções, que são solenemente ignoradas pelos gramáticos
tradicionais.
Abordando a relação entre o Estado e a língua, no
texto Brasileiro fala português: monolingüismo e preconceito lingüístico,
Gilvan Müller de Oliveira enfatiza os seguintes fatos, subjacentes à
concepção de que no Brasil se fala uma única língua: preconceito,
desconhecimento da realidade e projeto político de construir um país monolíngüe.
O autor coloca muito bem a questão de que ideologicamente produziu-se no Brasil
o conhecimento de que se fala o português e o desconhecimento de que muitas
outras línguas são faladas (por volta de 200 idiomas atualmente, sendo 170
línguas autóctones e 30 línguas alóctones). Müller de Oliveira traça um percurso
histórico ricamente documentado do plurilingüismo no Brasil, da política
homogeinizadora e repressiva de imposição do português como a única língua
legítima e da conseqüente redução do número de línguas por um processo conhecido
como "deslocamento lingüístico" (p.84). Esse processo envolveu ações como (i) a
de civilizar os índios mediante a imposição da língua portuguesa e o
"assassinato" especialmente da língua geral na Colônia (o que ocasionou uma
verdadeira "guerra de línguas" (Calvet, 1999a)); e, posteriormente, (ii) a de
nacionalizar o ensino no Estado Novo, com repressão violenta às línguas
alóctones, especialmente o alemão e o italia no no sul do
Brasil. O que o autor avalia como um dos fatos mais trágicos é que poucas vozes
representativas se opuseram ao processo de homogeneização, em defesa de uma
sociedade culturalmente pluralista. Evidenciando o fato de que somos hoje um
país pluricultural e multilíngüe, seja pela variedade dialetal, seja pela
diversidade de línguas faladas no território, Müller de Oliveira critica o
espaço reduzido que ocupam na universidade tanto pesquisas sobre plurilingüismo,
como projetos de uma política de garantia dos direitos lingüísticos às
populações não falantes de português, e conclui defendendo, com certa dose de
ousadia, a idéia de uma redefinição do "conceito de nacionalidade, tornando-o
plural e aberto à diversidade" (p.91).
Quem assina o artigo seguinte é Kanavillil
Rajagopalan. Após fundamentar certos argumentos que têm circulado contra a
linguagem politicamente correta, o autor de Sobre o porquê de tanto ódio
contra a linguagem "politicamente correta" conduz uma reflexão em outra
direção, evidenciando situações em que a linguagem tem, sim, impacto sobre as
coisas e os acontecimentos. O autor vale-se, inicialmente, de algumas críticas
feitas por Possenti (1995), tais como a de que o problema não está na linguagem
propriamente dita, mas tem méritos políticos e que é um equívoco pensar que uma
substituição de palavras com diferentes conotações ideológicas poderia
influenciar na diminuição dos preconceitos, e coloca a descoberto a concepção de
linguagem e de mundo que recobre crenças generalizadas como a de que a linguagem
serve de roupagem do pensamento, a primeira sujeita a todo tipo de desgaste, o
último não; e a de que a linguagem pode nos enganar (veja-se o uso da linguagem
figurada). A posição que daí se segue é: de que adianta mudar a linguagem se o
pensamento é o mesmo? Contra-argumentando, o autor enfraquece a noção
saussureana de arbitrariedade do signo ao afirmar que a grande maioria dos
objetos que se nos apresentam "está presente em nossa consciência junto com a
imagem que cada um deles adquiriu ao longo dos tempos" (p.99). Rajagopalan
respalda sua idéia no mundo do marketing, em que todo objeto é no fundo
um "produto", isto é, um objeto produzido de forma tal que é impossível
recuperá-lo em sua "pureza", pois os conhecemos ligados ao seu modo de
apresentação; especialmente no princípio norteador do marketing de que é
possível transformar o produto e não apenas a sua imagem. Ao refletir sobre a
prática de determinados usos lingüísticos à luz do mundo do marketing, o
autor mobiliza o leitor a acreditar que ao trocar as palavras trocam-se também
as coisas. Então concluímos com ele: uma das maneiras mais
eficazes (não a única!) de combater os preconceitos sociais é monitorar a
linguagem e exercer controle sobre a fala, pois "intervir na linguagem significa
intervir no mundo" (p.102).
Focalizando o caráter idealizado do português oficial
que privilegia a escrita padrão, Marco Rocha e Juliana Pereira escrevem O uso
de corpora na elaboração de trabalhos de referência: uma vacina contra o
preconceito, argumentando que trabalhos de referência tais como gramáticas e
dicionários não cumprem adequadamente sua função em virtude de discriminação da
língua falada. Na seção subseqüente à introdução, os autores falam sobre as
abordagens com base em corpus, discorrendo sobre as características
ideais do mesmo: amostragem representativa, tamanho, formato legível por
computador e uma referência padrão, pressupondo-se a disponibilidade do material
para a comunidade lingüística em geral. A seguir, tratam do uso do corpus
contra o preconceito lingüístico, dando relevo ao papel auxiliar que a abordagem
proposta pode desempenhar na elaboração de trabalhos de referência. Como
evidência, apresentam o perfil de uso do verbo dar, com base na
freqüência de ocorrências desse item lexical num corpus específico,
verificando-se que grande parte desses usos corresponde a construções do tipo
'Dá só uma aguardadazinha...', uso este não contemplado num dicionário da língua
portuguesa, por exemplo, a despeito de sua recorrência na fala, o que se
caracteriza como um reflexo sintomático de preconceito. Uma regra
léxico-gramatical de formação de sintagmas verbais que permitiria a produção de
inúmeras combinações similares é, então, apresentada pelos autores. Concluindo,
propõem que a noção de freqüência seja "parte integrante dos critérios de
seleção de usos a serem incluídos nos trabalhos de referência", a despeito do
prestígio social dos mesmos (p.110).
O artigo que encerra a coletânea, Língua
estrangeira: direito ou privilégio?, é de autoria de Josalba Vieira e
Heronides Moura. Ao analisarem duas situações prototípicas de plurilingüismo,
apoiados em documentos oficiais que legislam sobre os direitos do cidadão a uma
educação bilíngüe, os autores chamam a atenção para preconceitos, por vezes
camuflados, presentes em situações de aprendizado e de uso de línguas
estrangeiras. As situações examinadas são jocosamente identificadas como: O
monoglota orgulhoso e o provinciano cosmopolita; e O poliglota esnobe e o
poliglota ignorante. Ambos os casos são relacionados à metáfora do "sistema
gravitacional" (Calvet, 1999b), que explica a estruturação das línguas entre si,
de acordo com cada momento histórico, em termos de língua hipercentral, supercentral, central e periférica. Haveria, de um lado,
uma correspondência entre a situação do provinciano cosmopolita e a dos falantes
da língua mais importante de cada período histórico; e, de outro lado, entre a
situação do poliglota e a dos falantes das demais línguas, resultando a
avaliação de "ignorante" ou "esnobe" do lugar ocupado por tais línguas no
sistema gravitacional. Falantes poliglotas de línguas tidas como periféricas,
por exemplo, não costumam ser valorizados pelo fato de serem plurilíngües (nem
por eles próprios!); já aqueles que falam línguas situadas em níveis mais
próximos ao centro gravitacional, portanto de maior prestígio, tenderiam ao
protótipo do poliglota esnobe, isto é, daquele que usa uma língua estrangeira
com a intenção de marcar diferença cultural e não para interagir. Os autores
discutem amplamente o preconceito que perpassa essas diferentes situações
lingüísticas, ilustrando-as com relatos de casos reais e concluem dizendo que
"lutar contra os diversos tipos de preconceito lingüístico ligados ao uso de
línguas estrangeiras não é uma tarefa fácil, mas saber identificá-los é um passo
importante" (p.124). Nesse sentido, o artigo cumpre perfeitamente seu
papel.
Em suma, a diversidade de abordagens críticas em
torno de uma temática comum prende a atenção do leitor, seja pela escolha
instigante e feliz dos fenômenos lingüísticos analisados (numa obra literária,
num filme, numa novela de televisão, no marketing, num projeto de lei, na
fala de um professor de gramática, na fala de um poliglota, na fala de um
afásico, enfim, na fala do povo...), seja pelo tratamento criterioso dispensado
por cada autor ao texto. Acredito que o livro deve atender plenamente seu
propósito, merecendo ser lido, divulgado e discutido.